terça-feira, 22 de abril de 2014

TEXTO DA LEI DO RETORNO ESPANHOLA PARA OS SEFARDITAS

A seguir reproduz-se, na íntegra, o Preâmbulo do ANTEPROJETO DE LEI EM MATERIA DE CONCESSOM DA NACIONALIDADE ESPANHOLA AOS SEFARDITAS QUE JUSTIFIQUEM TAL CONDIÇOM E A SUA ESPECIAL LIGAÇOM COM ESPANHA E POLO QUE SE MODIFICA O ARTIGO 23 DO CÓDIGO CIVIL.

Caso seja aprovada, esta Lei do Retorno permitirá a obtençom da cidadania espanhola aos herdeiros dos Judeus expulsos dos reinos de Espanha polos reis católicos em 1492.

PREÂMBULO

I

Som chamados "sefarditas" os Judeus que viviam na Península Ibérica e, em particular, os seus descendentes, aqueles que após o Édito de 1492 que obrigava a conversom forçada ou a expulsom tomaram esta drástica opçom. Este nome vem de "Sefarad", palavra com é conhecida Espanha [e também Portugal!!] tanto em hebraico clássico quanto contemporâneo. Na verdade, a presença judaica em terras ibéricas era firme e milenária, palpável mesmo em traços de verbo e pedra. No entanto, por imperativo da história os Judeus tornaram a trilhar os caminhos da diáspora, aderindo-se ou fundando novas comunidades, mormente no Norte da África, nos Balcãs e no Império Otomano.

Os filhos de Sefarad conservaram umha saudade imune à evoluçom das línguas e das gerações. Como suporte dessa saudade conservaram a língua -o ladino, a haketia-, espanhol primigênio enriquecido com os empréstimos das línguas de acolhida. No espanhol dos seus antepassados realizaram as suas orações e receitas, os jogos e os romances. Conservaram os usos, respeitaram os nomes que tantas vezes invocavam a sua origem, aceitaram sem rancor o silêncio da Espanha embalada no esquecimento.

A memória e fidelidade destes "espanhóis sem pátria", como também som conhecidos os Sefarditas, manteve-se ao longo dos tempos numha grande comunidade que mereceu a honra de receber o seu reconhecimento com o Prémio Príncipe de Astúrias da Concórdia em 1990. Foi umha decisom motivada polo desejo de contribuir, depois de cinco séculos de afastamento, para o processo de concórdia já iniciado, que convoca as comunidades sefarditas ao reencontro com as suas origens, abrindo-se para sempre as portas da sua antiga pátria. O prémio foi concedido poucos anos atrás  dum acontecimento histórico: a primeira visita dum rei de Espanha a umha sinagoga. Era 1 de outubro de 1987 no templo sefardita Tifereth Israel de Los Ángeles, Califórnia.

No início do século XXI, as comunidades sefarditas do mundo encaram novos desafios: algumhas ficaram mal paradas na fúria dos totalitarismos, outras optaram polos caminhos de retorno à cobiçada Jerusalém; todas enxergam umha identidade pragmática e global nas gerações emergentes. Seja como for, bate o amor a Espanha ciente, por fim, da bagagem histórica e sentimental dos sefarditas. Parece justo que tal reconhecimento se alimente dos acaídos recursos jurídicos para facilitar a condiçom de espanhóis aos que se resistiram, teimosa e prodigiosamente, a deixar de o ser.

Cópia assinada do Édito de Expulsom dos Judeus
dos reinos de Espanha

II

A formaçom em Espanha dum parecer favorável aos sefarditas provém dos tempos de Isabel II, quando as comunidades judaicas foram licenciadas para possuir cemitérios próprios (por exemplo, em Sevilha), e, mais tarde a autorizaçom para abrir algumhas sinagogas.

Sendo Ministro de Estado Fernando de los Ríos, a Presidência do Governo e o Ministério de Estado estudaram a possibilidade de conceder, de maneira generalizada, a nacionalidade espanhola aos Judeus sefarditas de Marrocos, mas a ideia foi abandonada pola oposiçom nalguns meios magrebis. Também é justo reconhecer que em 1886, a iniciativa de Práxedes Mateo Sagasta, e em 1900, sob a promoçom do senador Ángel Pulido, iniciou-se umha aproximaçom dos sefarditas, e resultado disso o Governo autorizou a abertura de sinagogas em Espanha, a fundaçom da Alianza Hispano-Hebrea em Madrid (ano 1910) e o estabelecimento da Casa Universal de los Sefarditas (1920). Tudo isto reforçou as ligações entre os sefarditas e Espanha.

Historicamente, a nacionalidade espanhola também a adquiriram os sefarditas em circunstâncias excepcionais. Um exemplo foi o Decreto Legislativo de 21 de dezembro de 1924, cujo preâmbulo diz respeito dos "antigos protegidos espanhóis ou os seus descendentes, e, em geral indivíduos pertencentes a famílias de origem espanhola que nalgumha ocasiom foram inscritas em registos espanhóis e estes elementos hispanos, com sentimentos enraizados de amor a Espanha, por desconhecimento da lei e por outras causas além da sua vontade de serem espanhóis, nom conseguiram a nossa nacionalidade". Abria-se assim um processo de naturalizaçom que permitia aos sefarditas obter a nacionalidade espanhola dentro dum prazo que durou até 1930. Mal 3.000 sefarditas exerceram esse direito. No entanto, após o período findo, muitos receberam a proteçom dos cônsules de Espanha, mesmo sem terem obtido propriamente a cidadania espanhola.

A Segunda Guerra Mundial colocou sob administraçom alemã aproximadamente 200.000 sefarditas. Comunidades prósperas da Europa Ocidental e, principalmente, dos Balcãs e Grécia sofreram a barbárie nazista com terríveis dados como os mais de 50.000 mortos de Salónica, umha cidade de profundas raízes sefarditas. O sacrifício brutal de
milhares de sefarditas é o vínculo duradouro entre a Espanha e a memória do Holocausto.

O Decreto Legislativo de 21 de dezembro de 1924 teve umha utilidade inesperada em que provavelmente nom pensaram os seus redatores: foi o quadro legal que permitiu às legações diplomáticas espanholas, durante a Segunda Guerra Mundial, dar proteçom consular àqueles sefarditas que obtiveram a nacionalidade espanhola ao abrigo desse Decreto. O espírito humanitário destes diplomatas alargou a proteçom consular aos sefarditas nom naturalizados e, ao cabo, a muitos outros judeus. É o caso, entre outros, de Angel Sanz Briz em Budapeste, Sebastian Romero Radigales em Atenas, Bernardo Rolland de Miotta em Paris, Julio Palencia em Sofia, de José Rojas em Bucareste, de Javier Martínez de Bedoya em Lisboa ou de Eduardo Propper de Callejón em Bordéus.

Destarte milhares de judeus escaparam do Holocausto e puderam reconstruir as suas vidas.

III

Atualmente existem duas formas para os sefarditas acederem à nacionalidade espanhola: primeiro, acreditando ser sefardita e provando a sua residência legal em Espanha durante, no mínimo, dous anos (artigo 22 do Código Civil), assimilando-se, neste caso, a sua situaçom à dos nacionais doutros estados e nações, como as latino americanas, com ligaçom especial com Espanha. E, em segundo lugar, por carta de natureza, pois ao ser sefardita, ou descendente deste, pode-se outorgar discricionariamente quando ocorrerem circunstâncias excepcionais no interessado (artigo 21º do Código Civil).

Como corolário desses desenvolvimentos corresponde agora concretizar quando é que se deve entender a existência dessas circunstâncias excepcionais referidas nesse artigo 21 do Código Civil em que se estabelece que ocorrem nos sefarditas que provem a antedita condiçom e a sua especial ligaçom com Espanha, as circunstâncias excepcionais para a concessom da nacionalidade espanhola por naturalizaçom (carta de natureza). É também necessário determinar os requisitos e condições a levar em conta para a justificaçom dessa condiçom.

É preciso proceder também, como complemento do anterior, à reforma do Artigo 23 do Código Civil para evitar que ao adquirir a nacionalidade espanhola devam renunciar à sua nacionalidade anterior, já que os sefarditas som os únicos aos que, ao receber a nacionalidade com apenas dous anos de residência -em consequência dessa especial relaçom com Espanha-, eram forçados a renunciar a ela, como se tira da atual letra b) do artigo 23 em relaçom com os apartados primeiros dos artigos 22 e 24 do Código Civil.

Cemitério da sinagoga hispano-portuguesa, Shearith Israel (1656-1833)
Nova Iorque
Confira aqui o resto do texto da Lei do Retorno espanhola.

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