quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

CAPÍTULO 8: AS FORMAS DE RESOLVER A QUESTOM JUDAICA

Abraham Leon


É errado dizer que desde há dois mil anos impõe-se uma soluçom para o problema judaico. O próprio fato de que, durante este longo período, nom fosse encontrada essa soluçom é a melhor prova da sua nom-necessidade. O judaísmo foi um fator indispensável na sociedade pré-capitalista. Foi um organismo vital dela. Isso explica a sua existência de dois mil anos na Diáspora. O judeu era uma pessoa tão característico da sociedade feudal como o senhor e o servo. Nom é por acaso que ele é um elemento estranho que tem desempenhado o papel de "capital" na sociedade feudal. A sociedade feudal, como tal, nom podia formar um elemento capitalista, quando o pudo fazer, ela começou precisamente a nom ser feudal. Nom é tampouco por acaso que o judeu permaneceu estranho no seio da sociedade feudal. Mesmo o “capital” na sociedade pré-capitalista viver fora do sistema económico. Enquanto a capital começa a emergir das entranhas deste sistema social e substitui assim o órgão emprestado, o judeu desaparece na mesma altura que a sociedade feudal deixa de ser feudal.

É o capitalismo moderno que tem colocado o problema judaico. Nom porque os judeus sejam atualmente cerca de 20 milhões de pessoas (a porcentagem de judeus sobre os nom-judeus mesmo tem caído drasticamente desde a época romana), mas porque o capitalismo destruiu as bases seculares da existência do judaísmo. Ele destruiu a sociedade feudal e com ela a funçom do povo-classe judeu. A história tem condenado este povo-classe à desapariçom, portanto, é assim como foi estabelecido o problema judaico. O problema judaico é o da adaptaçom do judaísmo para a sociedade moderna, o problema da liquidaçom da herança legada à humanidade pelo feudalismo.

Durante séculos o judaísmo era um organismo social em cujo seio os elementos sociais e nacionais interpenetravam-se profundamente. Os judeus estão longe de ser uma raça, ao contrário, é provavelmente uma das misturas raciais mais características, a mais pronunciada. Isto nom impede que, nesta liga, o componente asiático é muito grande, grande o suficiente em qualquer caso para distinguir o judeu dentre as nações ocidentais onde se acha mais espalhado. Este "fundo" nacional real é completado por um fundo imaginário, poético, constituído pela tradiçom secular que une o judeu atual aos seus “antepassados” remotos dos tempos bíblicos. É sobre esta base nacional que, posteriormente, veio a ser enxertado o fundo da classe, a psicologia mercantil. Os elementos nacionais e sociais som misturados até interpenetrar completamente. Vai ser difícil de detetar no judeu polacos, no seu “tipo”, a parte herdada dos seus antepassados e da parte emprestado da funçom social que desempenha neste país durante séculos. Podemos supor que a base social há muito tempo ganhou importância sobre o fundo nacional. De qualquer forma, se o elemento social foi adicionado ao elemento nacional, este último pudo sobreviver apenas graças ao primeiro. É a teor da sua situaçom económica e social que o judeu foi capaz de se " conservar".

O capitalismo tem colocado o problema judaico, isto é, destruiu as bases sociais sobre as que o judaísmo se tinha mantido durante séculos. Mas o capitalismo nom resolveu o problema judaico porque nom deu absorvido o judeu libertado da sua casca social. A decadência do capitalismo pendeu os judeus entre o céu e a terra. O comerciante "pré-capitalista" judeu praticamente tem desaparecido, mas o seu filho nom encontrou um lugar na produçom moderna. A base social do judaísmo desmoronou-se, o judaísmo tornou-se em grande um elemento desclassado. O capitalismo nom só condenou a funçom social dos judeus, ele também condenou os próprios judeus.

Os ideólogos pequeno-burgueses estão sempre dispostos a converter um fenómeno histórico em categoria eterna. Para eles, a questom judaica é funçom da Diáspora, somente a concentraçom dos judeus na Palestina poderia resolvê-la.

No entanto, é pura infantilidade trazer a questom judaica a uma questom territorial. A soluçom territorial só faz sentido se isso significa o desaparecimento do judaísmo tradicional, a penetraçom dos judeus na economia moderna, a “produtivizaçom” dos judeus. De uma forma indireta, o sionismo retorna às soluções preconizadas pelos seus piores inimigos: os "assimiladores" consequentes. Para uns como para outros trata-se de erradicar o legado "maldito" do passado, de converter os judeus em operários, agricultores e intelectuais produtivos. A ilusom do sionismo nom está na sua vontade de alcançar este objetivo, esta é uma necessidade histórica que abrirá caminho mais cedo ou mais tarde. Sua ilusom é a crença de que as dificuldades insuperáveis que opõe o capitalismo decadente nestas tarefas irão desaparecer como por magia na Palestina. Mas se os judeus nom encontraram um lugar na economia na Diáspora, as mesmas causas impedirão que isso aconteça na Palestina. O mundo é uma entidade desse tipo nos tempos modernos, pelo que é pura insensatez tencionar criar um ilhote a salvo das suas tempestades. Portanto, a falência da "assimilaçom deve necessariamente ser acompanhada pela falência do sionismo". Na altura em que o problema judeu se torna uma imensa tragédia, a Palestina apenas pode constituir um fraco paliativo. Dez milhões de judeus acham-se num imenso campo de concentraçom. Que remédio pode trazer a este problema a criaçom de várias colónias sionistas?

Portanto, nem a assimilaçom nem sionismo? Nenhuma soluçom entom. Nom, nom existe uma soluçom para a questom judaica sob o capitalismo, como nom há soluçom para os outros problemas que a humanidade enfrenta sem uma profunda convulsom social. As mesmas causas que tornaram a emancipaçom judaica ilusória, tornam impossível a realizaçom do sionismo. Sem abordar as causas da questom judaica, nom se poderão eliminar os efeitos.

O gueto e a ruela reapareceram. Símbolos também o destino trágico para o qual se encaminhou a humanidade. Mas mesmo a exacerbaçom do anti-semitismo prepara o caminho para o seu desaparecimento. A expulsom dos judeus constitui temporariamente um tipo de espaço de vida para a pequena burguesia. A “arianizaçom” permitiu expulsar algumas dezenas de milhares de intelectuais e pequenos burgueses desocupados. Mas, abordando as causas aparentes das suas misérias, a pequena burguesia tem reforçado a açom das suas causas reais.O fascismo acelera o processo de proletarizaçom das classes médias. Após os pequeno-burgueses judeus, centenas de milhares de comerciantes e artesãos foram expropriados e proletarizados. A concentraçom do capital tem feito enormes progressos. “A aparente melhoria da situaçom económica” foi feita apenas com a preparaçom da segunda guerra imperialista, a causa de destruições e de massacres formidáveis.

Assim, a situaçom trágica do judaísmo reflete com uma particular gravidade a situaçom de toda a humanidade. O declínio do capitalismo significa para os judeus o “retorno para o gueto”, enquanto as bases do gueto desapareceram há muito tempo com os fundamentos da sociedade feudal. Igualmente para toda a humanidade o capitalismo bloqueia tanto o caminho do passado quanto a estrada para o futuro. Somente a destruiçom do capitalismo pode permitir que a humanidade tirar proveito dos grandes avanços da era industrial.

É de admirar que as massas judaicas, as primeiras em sentir com uma gravidade particular as contradições do capitalismo, tenham contribuído com forças abundantes para a luta socialista e revolucionária? Em várias ocasiões Lenine destacou a importância dos judeus para a revoluçom nom só na Rússia, mas também noutros países. Lenine também expressa a ideia de que a fugida de parte da populaçom judaica para o interior da Rússia, após a ocupaçom das zonas industriais do Ocidente, tinha sido muito útil para a revoluçom, ao igual que a apariçom durante a guerra nas cidades russas de um grande número de intelectuais judeus. Eles permitiram que os bolcheviques rompessem a perigosa sabotagem geral que decorreu em toda parte depois da Revoluçom. Dessa forma, ajudaram os bolcheviques a superar uma fase muito crítica (1). A alta percentagem de judeus no movimento proletário é o reflexo da trágica situaçom do Judaísmo no nosso tempo. As faculdades espirituais dos judeus, resultado da sua história, som um grande impulso para o movimento proletário.

Isso também é provavelmente a razom última, e nom menos importante, do anti-semitismo moderno. As classes dominantes perseguem com um sadismo particular os intelectuais e trabalhadores judeus que proporcionaram uma massa de combatentes ao movimento revolucionário. Isolar completamente os judeus das fontes da cultura e a ciência é fulcral para o regime decadente que os persegue. A lenda ridícula do “marcista judeu” é uma demonstraçom grotesca dos vínculos que existem efetivamente entre o socialismo e as massas judaicas.

Nunca a situaçom dos judeus foi tão trágica. Nos piores períodos da Idade Média paises inteiros abriam-se para os receber. Hoje o capitalismo, que domina o universo inteiro, torna-lhes a terra inabitável. Nunca a miragem de uma Terra Prometida assombrou tanto as massas judaicas. Mas nunca uma Terra prometida foi menos capaz do que o nosso tempo para resolver a questom judaica.

Mas o paroxismo que atinge o problema judaico hoje também fornece a chave para a sua soluçom. Nunca a situaçom dos judeus foi tão trágica, mas ela nunca esteve tão perto de deixar de ser. Durante séculos, o ódio aos judeus tinha uma base real no antagonismo social que os opunha com as outras classes da populaçom. Atualmente, os interesses das classes judias estão intimamente relacionadas com os interesses das massas populares em todo o mundo. Ao perseguir os judeus como “capitalistas”, o capitalismo converte-os em párias completos. As perseguições ferozes contra os judeus revelam precisamente a bestialidade estúpida do anti-semitismo, explotam os restos de preconceitos que alimentam contra eles classes trabalhadoras. Os guetos e os farrapos amarelos nom impedem os trabalhadores de experimentar uma crescente solidariedade para com aqueles que mais sofrem com os males da humanidade.

E a explosom social mais formidável que terá visto o mundo prepara a libertaçom dos párias mais perseguidos do nosso planeta. Quando o povo das fábricas e dos campos se tenha sacudido da tutela dos capitalistas, quando perante a humanidade libertada se abra um futuro de desenvolvimento ilimitado, as massas judeu poderão fazer um contributo que nom será insignificativo no desenvolvimento de um mundo novo.

Isso nom significa que o socialismo, inspirado por uma varinha mágica, fará desaparecer todas as dificuldades que impedem a soluçom da questom judaica. O exemplo do URSS mostra que, mesmo após a revoluçom proletária, a estrutura específica do judaísmo legada da história dá origem a uma série de dificuldades, especialmente durante os períodos de transiçom. Assim, durante a NEP, os judeus da Rússia, usando a sua experiência do comércio, forneceram muitos quadros à nova classe burguesa.

Por outro lado, a grande massa de pequenos comerciantes e de pequenos artesãos judeus sofreu muito no início da ditadura do proletariado. Só mais tarde, com o sucesso do plano quinquenal, os judeus entraram maciçamente na economia soviética. Em suma, apesar dalgumas dificuldades, a experiência foi bem sucedida: centenas de milhares de judeus tornaram-se operários e camponeses. O fato de que os empregados e funcionários formam uma percentagem bastante elevada dos assalariados judeus nom deve ser tomado como um índice de preocupaçom. O socialismo nom tem interesse em que os judeus abracem todas as ocupações manuais. Pelo contrário, as faculdades itelectuais dos judeus devem ser amplamente aproveitadas.

Portanto verifica-se que, mesmo em condições relativamente difíceis de um país atrasado, o problema judaico pode ser resolvido pelo proletariado. Os judeus penetraram em massa na economia russa. A “produtivizaçom” dos judeus foi acompanhada por dois processos paralelos: a assimilaçom e a concentraçom territorial. Quando os judeus entraram na indústria, assimilaram-se rapidamente. Já em 1926, apenas 40% dos jovens judeus da bazia do Donets falavam iídiche. No entanto os judeus vivem sob o regime de autonomia nacional: têm escolas de ensino especial, uma imprensa iídiche e órgãos autónomos. Mas os judeus nacionalistas continuam a lamentar o abandono dessas escolas e dessa imprensa. Mas só onde densas massas judaicas foram enviadas como colonos, nomeadamente no Birobidzhan, assiste-se a uma espécie de "renascimento nacional" (2).

A própria vida mostra portanto que o problema que tão amargamente divide Judaísmo entre a assimilaçom ou a concentraçom territorial apenas é essencial para os sonhadores pequeno-burgueses. As massas judaicas só desejavam o fim do seu martírio. Isso, só lho pode dar o socialismo. Mas o socialismo deve dar aos judeus, ao igual que o fará para todos os povos, tanto a possibilidade de se assimilar quanto a de ter uma vida nacional particular.

O fim do judaísmo? Certamente. Apesar da sua aparente oposiçom irredutível, assimilacionistas e sionistas concordam em combater o judaísmo como tem sido a história, o judaismo mercantil na Diáspora, o povo-classe. Os sionistas nunca parar de dizer se trata de criar na Palestina um novo tipo de judeu, completamente diferente daquele da Diáspora. Eles mesmo rejeitam a língua e a cultura do judaísmo na Diáspora. Em Birobidzhan, na Ucrânia e na bacia do Donets, o velho homem despoja-se da sua indumentária secular. O povo-classe, o judaismo histórico, está finalmente condenado pela história. O sionismo, apesar das suas reivindicações tradicionais, nom conduzirá a um “renascimento nacional”, mas no máximo a um “nascimento nacional”. O “novo judeu” nom lembra nem o seu irmão na diáspora ou o seu antepassado na altura da queda de Jerusalém. O jovem palestino, orgulhoso de falar a língua de Bar Kochba, provavelmente nom teria sido entendido por ele. De fato, na época romana, os judeus falavam aramaico e grego e apenas conheciam o hebraico. Além disso, o neo-hebraico, por necessidade, afasta-se cada vez mais da língua da Bíblia. Tudo isto contribuirá para afastar o judeu palestino do judeu da Diáspora. E quando no futuro as barreiras e preconceitos nacionais comecem a cair na Palestina, quem pode duvidar de que uma aproximaçom fecunda nom tenha lugar entre os trabalhadores árabes e judeus, o que irá com efeito os fundir parcialmente ou completamente.

O judaísmo "eterno", que sempre foi um mito, desaparecerá. É pueril situar a contradiçom da assimilaçom ou a “soluçom nacional”. Mesmo em países onde possivelmente se criem lares nacionais para os judeus assistirá-se, quer à criaçom de uma nova nacionalidade judaica completamente diferente da antiga, quer à formaçom de novas nações. Além disso, mesmo no primeiro caso, a nom ser que se afugentem os povos já estabelecidos no país ou se renovem os rigorosos requisitos de Esdras e Neemias, a nova nacionalidade nom deixará de ser influenciada pelos antigos habitantes do país.

O socialismo no domínio nacional só pode aprofundar a democracia. Deve dar aos judeus a oportunidade de viver uma vida nacional em todos os países onde vivem e deve também oferecer a oportunidade de se concentrar num ou mais territórios, naturalmente sem prejudicar os interesses dos nativos. Apenas a mais ampla democracia proletária pode resolver o problema judaico com o mínimo de sofrimentos.

É claro que o ritmo da resoluçom do problema judeu depende do ritmo geral da construçom do socialismo. A contradiçom entre a assimilaçom e a soluçom nacional é apenas relativa, sendo esta última muitas vezes o prefácio à primeira. Historicamente, todas as nações existentes som produto da fusom de várias raças e povos. É possível que novas nações irão resultar da fusom ou mesmo da dispersom das nações já existente. No entanto, o socialismo deve-se limitar, nesta área, a "deixar a natureza seguir o seu curso."

Aliás, ele voltará, em certo sentido, à prática da sociedade pré-capitalista. É o capitalismo que, na medida em que forneceu uma base económica para o problema nacional, também criou uns antagonismos nacionais irreconciliáveis. Antes da época capitalista, eslovacos, tchecos, alemães e franceses viveram em perfeita harmonia. As guerras nom tinham carácter nacional, elas apenas interessavam às classes proprietárias. A política de assimilaçom forçada, de perseguiçom nacional era desconhecida para os romanos. Foi pacificamente que os povos bárbaros se foram romanizados ou helenizados. Hoje, os antagonismos nacionais culturais e lingüísticos som apenas a manifestaçom dos antagonismos económicos criados pelo capitalismo. Com o fim do capitalismo, o problema nacional vai perder toda a sua gravidade. Embora seja prematuro falar de uma assimilaçom global dos povos, é evidente que a economia planificada, estendida por toda a Terra, irá resultar na aproximaçom considerável de todos os povos do universo. No entanto, seria imprudente acelerar essa assimilaçom por meios artificiais e nada o poderia prejudicar mais. Ainda nom podemos prever quais serão os "pimpolhos" do judaísmo atual, o socialismo irá garantir que a "geraçom" tenha lugar nas melhores condições possíveis.

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NOTAS
(1) S. Dimanstein citado por Otto Heller, Der Untergang des Judentums, Wien-Berlin, 1931, p.229, trad. fr. M. Ollivier, Paris, 1933, p. 228 s
(2) O problema judaico na Rússia apenas é tratado de passagem.

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