quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

CAPÍTULO 6: AS TENDÊNCIAS CONTRADITÓRIAS DO PROBLEMA JUDEU NA ÉPOCA DO CRESCIMENTO DO CAPITALISMO

Abraham Leon


A Revoluçom Francesa contribuiu para completar os resultados do desenvolvimento económico e social do judaísmo na Europa Ocidental. O desenvolvimento do capitalismo industrial vai acelerar a penetraçom de judeus nas fileiras da burguesia e a sua assimilaçom cultural. Em toda parte, a marcha triunfal do exército de Napoleom foi o sinal para a emancipaçom judaica. A política de Napoleom reflete a vontade da sociedade burguesa para assimilar os judeus completamente. Mas nas regiões ainda dominadas pelo sistema feudal, consideráveis dificuldades surgiram no caminho da emancipaçom. Assim, ao contrário dos judeus de Bordeus, completamente integrados na classe burguesa, os judeus da Alsácia nom eram muito diferentes dos seus antepassados da Idade Média. As revoltas camponesas contra a usura judaica forçaram Napoleom a promulgar leis especiais contra os judeus da Alsácia. As normas jurídicas burguesas mostraram-se inaplicáveis a um estado feudal da sociedade. Aconteceu o mesmo na Polónia, onde a igualdade formal de todos os cidadãos perante a lei, introduzida por Napoleom, nom era aplicável aos judeus "por um período de dez anos" - dizia-se para salvar a face. É necessário acrescentar que a grande maioria dos judeus poloneses, liderados por uns rabinos fanáticos, opunha-se à emancipaçom. Exceto por uma pequena camada de burgueses ricos, os judeus poloneses nom sentiam a necessidade de igualdade cívica.

Mas, em geral, desde o início do século XIX, o judaismo Ocidental entra no caminho da assimilaçom completa. Já no século XVIII, no espaço de trinta anos, a metade dos judeus de Berlim convertem-se ao cristianismo. Aqueles que permaneceram fiéis à religiom judaica resistiam-se vigorosamente para formar uma naçom separada.

"Sem país, sem Estado, sem língua, nom há naçom e é por isso que o judaísmo há muito tempo que deixou de ser uma naçom" (1)

dizia Reisser, um representante dos judeus alemães na primeira metade do século XIX.

"Nós somos alemães, apenas alemães no que respeita à nacionalidade”.

escreveu mais tarde, em 1879, um professor judeu de Berlim.

Enquanto a Europa Ocidental favorecia a assimilaçom, o capitalismo desenraizava os judeus da sua posiçom económica na antiga Europa Oriental, causando assim o influxo de judeus para o Ocidente.

Continuamente, vagas de judeus orientais deslocavam-se para o oeste, dando nova vida para o corpo moribundo do judaísmo. (2)

"As nossas grandes massas populares do Leste, que ainda vivem numha atmosfera de tradições judaicas, constituem um obstáculo para o fim do judaísmo ocidental. " "O judaísmo do Ocidente é mais do que um reflexo do judaismo oriental. "

Basta lembrar que em Viena, no início do século XIX, havia apenas algumas centenas de judeus e no século XX o seu número chegou a 176.000 para compreender a importância da imigraçom judeus da Europa Oriental. (3)

A emigraçom maciça de judeus na Europa Ocidental e especialmente na América foi paralela com uma transformaçom completa da estrutura territorial do judaísmo. Sabemos que o desenvolvimento do capitalismo foi acompanhado por uma tremenda expansom das áreas urbanas. Por meados do século XIX, os grandes centros da vida comercial e industrial tornaram-se um poderoso ímã para os judeus.

A concentraçom de massas de judeus em grandes cidades, ficou evidente tanto nos países de imigraçom como nas regiões donde os judeus vieram. Os judeus deixaram em massa as pequenas cidades que foram os centros da sua vida económica durante séculos e reuniram-se, quer nas cidades industriais e comerciais da Polónia e da Rússia, quer nas grandes cidades do mundo ocidental como Viena, Londres, Berlim, Paris e Nova Iorque.

"Até meados do século XIX, a maioria dos judeus estavam concentrados na Europa Oriental e em consequência da falta de meios de comunicaçom, as pequenas cidades continuam a oferecer grandes benefícios para os concessionários. Durante este período, os judeus viveram principalmente pequenas cidades (e vilas)... De acordo com um estudo estatístico na segunda metade do século XVIII, as províncias polacas de Kiev, Volínia e Podólia, havia, em média, em cada aldeia, sete habitantes judeus, isto é, uma família. Havia inúmeras pequenas aldeias poucas cidades. Na Galícia oriental 27% da populaçom judaica viviam em aldeias e na Galiza ocidental, até 43% ... Condições semelhantes prevaleceram nalguns estados alemães, Hessen e Baden, por exemplo. " (4)

Esta situaçom experimenta uma mudança decisiva no século XIX. Massas consideráveis de judeus concentram-se nos centros urbanos do universo.

Na Rússia, entre 1847 e 1926 a populaçom judaica em comunidades com mais de 10.000 almas, aumentou oito vezes. Em 1847, havia apenas três comunidades judaicas com mais de 10.000 pessoas em todo o Império Russo. Em 1897 já havia 28 e em 1926 eram 38 (no antigo território da Santa Rússia).

A porcentagem de judeus russos que vivem nessas grandes comunidades era:
1847: 5%
1897: 28,2%
1926: 50,2%

Eis os números para a Alemanha:
1850: 6%
1880: 32%
1900: 61,3%

Mais de três quartas partes dos judeus americanso vivem atualmente em comunidades de mais de 10.000 pessoas. As formidáveis aglomerações judaicas de Nova Iorque (2 milhões), Varsóvia (300.000-500.000), Paris, Londres,... testemunham o facto de os judeus se terem convertido no povo “mais gram-urbano do mundo” a concentraçom das massas judaicas nas grandes cidades constitui, com certeza, um dos fenómenos mais importantes da vida judaica na época do capitalismo moderno.

Examinemos a diferença que apresentava a emigraçom judaica até 1880 e o êxodo posterior a esta data. Até 1880 os Estados habitados polos judeus ainda ofereciam grandes possibilidades de penetraçom na econmia capitalista; a emigraçom foi sobretodo interior. Após este período os acontecimentos precipitam-se: a economia feudal é destruída a grandes golpes de maça e com ela desaparecem os ramos artesanais do capitalismo onde os judeus estavam amplamente representados. Os judeus começam a abandonar em grande massa os seus países de origem.

Entre 1800 e 1880 o número de judeus nos Estados Unidos, principal destino dos judeus emigrantes, passa de alguns milhares a 230.000, o que indica umha média de imigraçom anual de cerca de 2000 pessoas. Entre 1881 e 1899, a média anual atinge 30.000 e entre 1900 e 1914,100.000. Se se acrescenta a isto a emigraçom para os países de alta-mar (Canadá, Ingalterra, África do Sul, Palestina,...) e a emigraçom para a Europa Ocidental, a emigraçom total judaica vinda da Europa Oriental, de 1800 a 1880, talvez avaliada em cerca de 250.000 pessoas, isto é, uma média anual de 3.000; a um milhom para o período 1881-1899, isto é, uma média anual de 50.000; e a dous milhões para o período 1900-1914, isto é, 135.000 por ano. Estas cifras colocam os judeus do Leste no primeiro rango entre os povos emigrantes. A meados do período 1881-1914, o seu número na Rússia, Galícia e Roménia era de 6 milhões e médio; comparado a esta cifra, a dos emigrantes equival a quase o 50%. As cifras correspondentes para os italianos, que constituem a emigraçom mais numerosa na Europa, resulta do 15% após deduzir os emigrantes retornados.

Estes forom numerosos entre os italianos mas raros entre os judeus. (5)

Esta grande emigraçom foi favorecida pola natalidade elevada dos judeus. O seu número no mundo elevava-se a:
Em 1825: 3.281.000
Em 1850: 4.764.500
Em 1880: 7.663.000
Em 1900: 10.602.500

Entre 1825 e 1925 o número de judeus quintuplicou-se; superando em 1,5 o crescimento da populaçom europeia.

“O número de judeus deve superar os 18 milhões na atualidade. É importante sublinhar que, apesar as importantes cifras de emigraçom, nom só o número de judeus na Eruopa oriental nom decresceu, mas tem aumentado grandemente”.
“O judaismo da Europa oriental tem enviado para o estrangeiro, no decurso dos últimos trinta anos, perto de 4 milhões de pessoas, e no entanto nom apenas o número dos judues da Europa oriental nom tem diminuido, ms mesmo aumentou em grande medida; passando de 6 a 8 milhões”.(6)

A emigraçom tem contribuido para a diferenciaçom social do judaismo, processo que experimentou um grande progresso durante o século XIX.

Pelo menos 90% dos judeus eram intermediários e comerciantes ao começo da era do capitalismo. No século XX pode-se considerar que na América existem ao redor de 2,5 milhões de trabalhadores judeus, que som perto de 40% de todos os judeus economicamente ativos. (7)

Eis qual era a repartiçom professional do conjunto os judeus em 1932:


O número de operários judeus, relativamente pouco elevado nos países atrasados como na Polónia, onde se situa em cerca de 25% da populaçom ativa, atinge 46% na América. A estrutura profissional da classe operária judaica difere ainda muito do proletariado doutros povos. Assim os empregados formam 30-36% de todos os assalariados judeus, isto é, uma proporçom de 3-4 vezes mais elevada que noutras nações. Os operários agrícolas, que quase faltam nos judeus, formam 15-25% dos operários nom judeus. 60-70% som operários nas fábricas. Enfim, enquanto os operários judeus estám empregados sobretodo nos ramos dos bens de consumo, os operários nom judeus destes ramos apenas formam uma pequena percentagem do proletariado.

As estatísticas comparadas da repartiçom profissional dos operários judeus e “ários” permetem analisar melhor este fenómeno: (8)

Nalguns países europeus:


Na Polónia:


Estas estatísticas mostram claramente que, contrariamente aos trabalhadores “nom judeus” concentardos sobretodo na indústria pesada, os operários judeus emprega-se sobretodo no artesanato. Os judeus som relativamente cinco vezes mais numerosos que os operários nom judeus na indústria do vestuário enquanto que na metalúrgia, a indústria têxtil e da construçom, os operários nom judeus são duas ou três vezes masi numersos que os operários judeus.

Mas se a estrutura profissional das classes operárias judia e nom judia difere ainda mais, a miséria arrasta cada vez mais os trabalhadores judeus, apesar de todos os atrancos, nas profissões que lhe eram inacessíveis até o presente.

Há algumas décadas, à questom de um jornalista a respeito da boicotagem dos operários judeus nas suas fábricas, um grande empresário de Lodz respondeu: “Eu nom quero ter dous mil associados à minha empresa”. Mas antes desta guerra, 15% dos operários judeus acham-se perante as máquinas.

O judaismo sofreu portanto uma transformaçom muito importante na época capitalista. O povo-classe diferenciou-se socialmente. Mas este processo de alcance considerável acompanha-se dumha multidom de tendências contraditórias que ainda nom permitiram a cristalizaçom de uma forma estável do judaismo na nossa época. É muito mais fácil dizer o que foi o judaismo do que definir o que é.

Com efeito, é duma forma diametralmente oposta que evoluiu a questom judaica polo desenvolvimento capitalista. Por uma parte, o capitalismo favoreceu a assimilaçom económica, e por consequência a assimilaçom cultural. Por outra parte, desenraizando as massas judaicas, concentrando-as nas cidades, provocando o desenvolvimento do anti-semitismo, estimulou-se o desenvolvimento do nacionalismo judaico. O “nascimento da naçom judaica”, a formaçom da cultura judaica moderna, a elaboraçom da língua iídiche, o sionismo, acompanham o processo de emigraçom e de concentraçom das massas judaicas nas cidades e acompanham o desenvolvimento do anti-semitismo moderno. Em todas as partes do mundo, em todos os caminhos do exilo, as massas judaicas concentram-se em bairros especiais, criam os seus centros de cultura próprios, os seus jornais, as súas escolas de iídiche. É naturalmente nos países de maior concentraçom judaica, na Rússia, na Polónia, nos Estados Unidos, que o movimento nacional tomou maior força. Mas o desenvolvimento da história é dialético. Ao mesmo tempo que se elaboravam os alicerces dumha nova nacionalidade judaica, criaram-se também todas as condições da sua desapariçom. Enquanto as primeiras gerações judaicas nos países de imigraçom permanecerom firmemente ligadas ao judaismo, as novas gerações perdem muito rapidamente os seus constumes e a sua língua particular.

“Entre os imigrantes vindos da Europa oriental e ocidental, a América,... o iídiche ainda é falado, pelo menos pela primeira geraçom, embora muitas palavras inglessas tenham penetrado, de maneira que está a se distanciar do iídiche polaco ou lituano. A segunda geraçom fala, à vez iídiche e a língua indígena, a terceira já desconhece o iídiche,... A imprensa iídiche desenvolveu-se muito nos EUA durante os últimos cinquenta anos em consequência da chegada de dous milhões de judeus da europa oriental que nom sabiam o inglês... Mas desde alguns anos, o sucesso da imprensa iídiche tem recuado, a imigraçom parou e a nova geraçom americaniza-se rapidamente”.(9)

A percentagem de utentes do iídiche entre a judaria passou de 60,6% em 1920 para 42,7% em 1930 segundo as estatísticas oficiais.

Ao mesmo tempo que se perde o uso do iídiche, assiste-se a um crescimento considerável dos casamentos mistos. Quanto mais desenvolvido for um país, mais frequentes som os casamentos mistos.

Na Boémia, 44,7% dos casamentos, nos que pelo menos um par era judeu, eram mistos. Por outro lado, os casamentos mistos na Rússia subcarpática ou na Eslováquia era insignificante. (10)

Percentagem de casamentos mistos entre judeus e nom judeus dos casamentos puramente judeus:


Também se regista um aumento das apostasias. Destarte, em Viena, a média de apóstatas judaicos passou de 0,4 por mil em 1870 para 4,7 por mil em 1921-22. porém, o enfraquecimento geral da religiom resta a este índice muita da sua importância.

Vê-se portanto a precariedade das bases da “renascença nacional” do judaismo. A emigraçom, antes de mais atranco poderoso à assimilaçom e fator de “nacionalizaçom” dos judeus, converte-se rapidamente em instrumento de fusom dos judeus com outros povos. A concentraçom das massas judaicas nas grandes cidades, torna-se assim umha classe de “base territorial” para a nacionalidade judaica, nom pode impedir durante muito tempo o processo de assimilaçom. A atmosfera dos grandes centros urbanos constitui um cadinho ardente onde se dissolvem todas as diferenças nacionais.

Se o capitalismo criou antes de mais as condições de umha certa “renascença nacional” judaica, desenraizando a milhões de judeus, afastando-os das suas condições de vida tradicionais e concentrando-os nas grandes cidades, contribui para acelerar o processo de assimilaçom. O desenvolvimento do iídiche, por exemplo, está seguido do seu rápido declínio. O desenvolvimento capitalista, embora às vezes por vias inesperadas, conduz à fusom dos judeus entre outros povos. Mas a começar o século XX mostram-se sinais evidentes da degeneraçom capitalista. A questom judaica, que parece evoluir normalmente no século XIX, toma novo desenvolvimento com uma gravidade inaudita em consequência da decadência do capitalismo. A soluçom da questom judaica parece estar hoje mais longe que nunca.

NOTAS
(1) S. M. Dubnow, Die neueste Geschichte des jüdischen Volkes, Berlim, 1920-23, II, p. 35 e seg.
(2) “O afluxo de judeus orientais na Europa oriental parou e provavelmente salvou os judeus ocidentais dumha completa desapariçom que era inevitável”. Lesczinski, O povo judeu no decurso dos últimos anos.
“Sem a imigraçom da Europa oriental, as pequenas comunidades judaicas da Inglaterra, da França, da Bélgica teriam provavelmente perdido gradualmente o seu carácter israelita. Ao igual na Alemanha...” Ruppin, op. Cit., p. 68
(3) J. Klatzkin, Probleme des modernen Judentum, 1930, p. 51
(4) Ruppin, op. cit., p. 38-40
(5) Ruppin, op. cit., p. 52
(6) Di Yiddische Ekonomik (Wilno), janeiro-fevereiro 1938
(7) O percentual dos empregados e operários eram: na Inglaterra de 77% (1923), nos EUA de 75% (1920), na Bélgica de 73% (1910), na Alemanha de 62% (1907), na França de 48% (1906), na Polónia de 24,8% (1921), na Rússia de 15% (1925).
(8) Yiddische Ekonomik, agosto 1938
(9) Ruppin, op. cit., p. 280, 338
(10) Yiddische Ekonomik, abril-junho 1939
(11) Ruppin, op. cit. – Os valores dados por Ruppin, op. cit., p 310, sobre os casamentos mistos som muito diferentes (nota dos editores).

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